O teólogo britânico N.T. Wright, vinculado à Igreja Anglicana, argumenta que muitos cristãos ocidentais possuem uma compreensão equivocada do propósito fundamental de sua fé. Segundo ele, a visão predominante no Ocidente sobre a salvação cristã está centrada em uma ideia individualista de “fuga” para o céu, onde a ênfase é colocada na salvação da alma após a morte, em vez de compreender o cristianismo como a renovação de todo o cosmos, com o céu e a terra sendo unidos por Deus.
Em sua visão, muitos cristãos são ensinados a ver a salvação como uma experiência puramente pessoal, enquanto o Novo Testamento foca na chegada de Deus à Terra, não na partida do ser humano para o céu. Wright, que é um especialista em Novo Testamento e um teólogo paulino, critica a interpretação isolada de trechos bíblicos e destaca que essas visões incorretas têm moldado a compreensão do cristianismo, afetando desde as profecias do fim dos tempos até a compreensão da guerra espiritual.
De acordo com Wright, o cristianismo tem sido mal interpretado por muitos ao longo dos séculos, pois as Escrituras, longe de sugerirem que a missão de Deus seria nos tirar da Terra, falam sobre Deus vindo habitar conosco. Ele cita passagens de Ezequiel e Zacarias, que preveem que, nos últimos dias, as nações se voltarão contra Israel, mas Deus intervirá para protegê-lo.
O teólogo questiona ainda a visão tradicional que, em sua opinião, distorce o evangelho ao focar em uma leitura platônica da Bíblia. Ele defende uma leitura mais contextualizada das Escrituras, especialmente do uso do termo “alma”, que, segundo ele, não denota uma essência imortal e desencarnada, mas a pessoa em sua totalidade, conforme a palavra hebraica nephesh.
O Fim dos Tempos e a Teologia Popular
Wright critica a popularização do dispensacionalismo, uma teologia que gerou a visão de um “fim dos tempos” marcado por eventos como o arrebatamento e o Armagedom. Ele observa que o Novo Testamento não sustenta essa visão e que, embora o dispensacionalismo tenha diminuído entre os estudiosos, ainda é amplamente aceito no nível popular.
A visão apocalíptica que associa eventos do mundo real, como os conflitos no Oriente Médio, ao cumprimento das profecias bíblicas, também é uma preocupação de Wright. Ele alerta contra a ideia de que os cristãos podem acelerar o cumprimento das profecias com suas ações políticas, algo que ele considera perigoso.
A Verdadeira Missão da Igreja
Em sua interpretação do Novo Testamento, Wright vê a missão da igreja como um reflexo da nova criação, iniciada na morte, ressurreição e ascensão de Jesus. Ele considera que o papel da igreja é ser um “pequeno modelo” da nova criação de Deus, uma comunidade animada pelo Espírito Santo, testemunhando a renovação do mundo desde já.
Ele também destaca a importância da unidade entre os cristãos, criticando a segmentação das igrejas por etnias ou nacionalidades. Wright observa que, para a igreja primitiva, essa divisão seria inconcebível, já que, em Cristo, judeus e gentios se uniram como um único corpo. A igreja, para ele, deve ser um reflexo dessa unidade, representando a nova criação que Deus está realizando em Cristo.
Guerra Espiritual
Wright também aborda o conceito de guerra espiritual, frequentemente mal interpretado no cristianismo popular. Ele aponta que, segundo o Novo Testamento, a verdadeira batalha espiritual ocorre “nos lugares celestiais”, já que a vitória foi alcançada em Cristo. O pastor destaca que o cristão não deve ver seus inimigos como seres humanos, mas deve combater a identificação errônea de quem são os verdadeiros inimigos espirituais. “Nossa luta não é contra carne e sangue”, como ensina o apóstolo Paulo.
Ele ainda alerta contra os extremos da teologia espiritual, tanto o ceticismo que nega qualquer mal espiritual, quanto a tendência de ver demônios em cada situação adversa. Para Wright, a verdadeira resposta cristã à guerra espiritual é a fidelidade contínua às Escrituras e a vida comunitária na fé.
Para Wright, a igreja deve ser um reflexo da nova criação de Deus, vivendo a unidade em Cristo e se afastando das divisões que marcam o mundo. O verdadeiro propósito cristão, segundo ele, é entender que, por meio de Cristo, Deus já iniciou a renovação de todas as coisas, e cabe à igreja viver essa realidade, sendo um testemunho vivo da vitória de Deus sobre o mal e da união de todas as coisas em Cristo.